
voz e criatividade
você acaba de entrar no espaço do curso formativo.
aqui você encontrará atividades através de 4 trilhas de investigação:
| chegada | escuta | voz-corpo | processos criativos |
a navegação é livre. as trilhas estão estruturadas da seguinte forma:
√ disparadores para reflexão
√ referências
√ atividades e sugestões de aplicação das cartas
tanto em ambientes virtuais quanto de corpo presente;
para serem realizadas a só, em duplas ou em grupos maiores.
provocações:
o que você considera necessário para sua formação como docente de música na área em que atua? esse curso-jogo é uma forma de pensar essa formação em diálogo, uma vez que são múltiplas as respostas. a base desse trabalho está sobre trio corpo-voz-escuta em diálogo constante com processos criativos, no contexto das pedagogias abertas e da decolonialidade.
nós mesmas, nossos fazeres e saberes, nossas habilidades e vulnerabilidades, situades no mundo.
o curso é um convite a navegar pelos eixos temáticos conforme sua curiosidade e interesse. as cartas sistematizam as atividades de forma não linear, e podem ser utilizadas de tantas maneiras quantas pessoas a visitar esse material.
sugestão para apoio à jornada:
um diário de bordo - anotar o que aconteceu, as descobertas, sensações, dificuldades;
criar variações para os jogos;
criar as próprias cartas;
combinar as cartas e criar suas próprias trilhas de pesquisa.
PARA SE TER EM CONTA
as atividades são guias, propostas, sugestões. e não se esgotam em uma jogada.
procure realizar cada jogo ao menos 3 vezes. a primeira deve gerar um estranhamento, o momento de jogar com a dúvida.
a segunda vez deve ser menos surpreendente, mas ainda estamos em um momento de compreensão e enfrentamento de inseguranças.
uma terceira rodada, e o jogo adquire um caráter mais fluido, e conseguimos nos divertir, brincar, realmente com os sons que produzimos.


para saber mais sobre o processo criativo

decolonialidade
no contexto desse percurso
abro essa conversa do meu lugar de mulher branca, latino-americana, dizendo que a decolonialidade tem sido um processo pessoal de muitas escutas, vivências e tomada de consciência e de atitude. escuta é essencial, então compartilho algumas que vêm me atravessando no processo. outras vozes também estão em diálogo nas trilhas de investigação e nas atividades.
de início, deixo uma passagem de Nego Bispo, em seu artigo Somos da Terra:
Só pode reeditar a trajetória do povo quilombola quem pensa na circularidade e através da cosmovisão politeísta. Não é o Boaventura de Sousa Santos, apesar de ele estar desempenhando um bom papel nesse processo. Na medida, pelo menos, em que ele diz que é preciso desmanchar o que o povo dele, o povo colonialista, fez. Isso já é de uma generosidade enorme. Pelo menos ele não está dizendo que é preciso sofisticar e fazer mais. (SANTOS, 2018, p. 09)
então me pergunto: o que estou fazendo para contribuir com esse desmanchar? na pesquisa por processos que valorizam as experiências pessoais, a pesquisa, e partem da voz-corpo, tenho escolhido práticas e abordagens que visam a horizontalização das relações, a formação de comunidades de aprendizes, a escuta para a diversidade, a criatividade como forma de construção coletiva de conhecimento, a multiplicidade de aprendizados, o afeto.
atento ao que bell hooks compartilha, em seu livro Ensinando A Transgredir. mesmo em ambientes considerados mais abertos, as relações de poder constituídas pela colonialidade seguem preservadas. vão ocupar os espaços de voz, as pessoas que tiveram mais acesso aos mesmos, que não sofreram violências sistêmicas ao tentar se expressar, em sua maioria homens cis brancos. fazer da sala de aula um contexto democrático onde todos sintam a responsabilidade de contribuir, é um objetivo central da pedagogia transformadora.
(...) À medida que a sala de aula se torna mais diversa, os professores têm de enfrentar o modo como a política da dominação se reproduz no contexto educacional. Os alunos brancos e homens, por exemplo, continuam sendo os que mais falam em nossas aulas. Os alunos de cor e algumas mulheres brancas dizem ter medo de que os colegas os julguem intelectualmente inferiores. (hooks, 2013, p. 56-57)
ao pensar a docência como um lugar de mediação, um lugar de escuta que se posiciona no sentido de validar todas as experiências, abrir o espaço para que as pessoas possam se enunciar, compartilhar seus processos, sonoridades, histórias. bell hooks fala sobre validar todos os processos de aprendizagem na constituição do conhecimento, em comunidade. ao olhar para as práticas aqui selecionadas, proponho sempre uma reflexão para a nossa atitude enquanto mediação, como ponto inicial nessa jornada.
por que pedagogias musicais abertas
dedico esse curso/percurso à memória de fernando barba e teca alencar de brito, duas pessoas que me inspiram no caminho das pedagogias abertas, do jogo musical, da escuta lúdica e da presença.
em 2009 fui aluna da teca, no curso de licenciatura em música da usp, e foi quando escutei pela primeira vez o termo pedagogias musicais abertas, através de uma publicação do FLADEM. mais do que tentar explicar o termo, procuro expressar em minhas ações, tudo o que ele me atravessa.
percebo como um processo intenso de auto-reflexão, escuta e constante vulnerabilização. abrir-se para a própria vulnerabilidade, para o risco de não saber, para o lugar de não ser o centro de saber. penso que a abertura nos coloca em um estado de atenção para o lugar onde estamos, para as relações que estabelecemos. vulnerabilidade, uma palavra importante e necessária. reconheço medo e resistência em mim, e você? o quanto nos preparamos para uma real abertura, uma educação para a contemporaneidade, onde a descentralização do saber é um ato político?
uma pedagogia aberta pressupõe o constante diálogo com as pessoas protagonistas da prática pedagógica, e trazendo paulo freire para a conversa, lembrar que todas as pessoas são protagonistas. uma pedagogia musical aberta se coloca em jogo em todos os âmbitos da atuação docente, como bem pontua violeta de gainza, abarcando seus aspectos filosóficos e metodológicos. ganiza, quando da fundação do FLADEM, compartilhava reflexões sobre a necessidade de se repensar a educação musical, atenta às epistemologias do sul, aos estudos sobre colonialidade e também sobre contemporaneidade (edgar morin e os sete saberes).
ao mesmo tempo que o conceito de pedagogias abertas está em constante movimento, estamos nós também, movendo-nos nas diversas camadas de abertura e reflexão que se manifestam em nossa ação política, pedagógica e artística.
retorno à vulnerabilidade - repensar valores, atitudes, conceitos, ações, metodologias, posturas, condutas, é processo vulnerabilizante. necessário, pois existe uma herança colonial, epistemicida, hegemônica, branca, que atravessa as relações que estabelecemos - o que é estar vulnerável, é a pergunta que refaço constantemente. a abertura, sim, passa por um processo pessoal de descolonização. processo que busco refletir nesse percurso, lançando novas escutas e propondo deslocamentos das práticas pedagógicas cartografadas aqui.
deixo então algumas reflexões e partilhas sobre o conceito de pedagogias abertas, a partir da visão plural de educadoras e educadores musicais da América Latina. considero as pedagogias musicais abertas como um conceito vivo, em constante construção, através de publicações e ações concretas do FLADEM.
ritamaria

violeta de gainza
la apertura en lo pedagógico remite a los aspectos filosóficos de la educación pero también a las técnicas educativas. Implica la evaluación y él y el análisis de la situación actual para, desde allí, programar intervenciones orientadas a promover procesos de desarrollo a lo largo de los diferentes ciclos de la educación formal. A partir de una acción de carácter global y abierto sobre la realidad, en cualquier momento será posible acotar en los objetivos, ‘cerrarlo’ funcionalmente, para el logro de un objetivo concreto. (GAINZA, 2002, p. 29).
vemos así que el efecto formativo de las artes, asociado tradicionalmente de manera exclusiva a su valor estético, hoy remite en primerísima instancia a la potencialidad de las actividades artísticas de influir integralmente en la persona humana, no sólo en los aspectos sensoriales y afectivos sino en el desarrollo intelectual y social.
la música debería ser pues una disciplina infaltable en los programas de formación básica (escuela primaria y secundaria), por las virtudes que hacen de ésta una experiencia peculiar, única e insustituible para la existencia humana. las razones fundamentales que nos llevan a adherir a este posicionamiento, en el momento actual y por orden de prioridades serían:
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la música es un derecho humano (argumento ético).
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la música es una invención transcendente, un lenguaje universal (argumento científico y cultural).
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la música es una herramienta privilegiada de intervención social (argumento pragmático: de necesidad y aplicación social).
(GAINZA, 2011, p.12)
teca de brito
A meu ver, uma pedagogia aberta dialoga com uma pedagogia do acontecimento, no sentido de que faz valer aquilo que significa, o que interessa ao aluno ou aluna, bem como, a um grupo de alunos e alunas, em contextos marcados por singularidades. Sem descartar ou negar a importância da trajetória da Educação Musical, especialmente nos séculos XX e XXI, um pensamento pedagógico-musical aberto reconfigura-se, reorganiza-se, continuamente, fundando planos singulares, criativos, reflexivos e, principalmente, significativos para aqueles e aquelas que fazem música nos territórios da educação musical (...) Penso que o pensamento musical flademiano deve seguir se fortalecendo, valorizando o pensamento musical, a experiência, a singularidade dos processos sonoro-musicais e sua atualização nos planos pedagógico-musicais, a criação, a repetição diferente.
(BRITO in: DIDIER, 2020, p.225)
fernando barba
Eu pensava que, em um grupo de trinta educadores, cada um deles leva para outros lugares e vão saber muito melhor as particularidades dos seus grupos. Foi outra coisa que me tendeu mais a universalizar, como eu estava falando antes, do que ficar em uma escola, do que ficar fixo. Mas eu sinto que meu trabalho atingiu muito, através de todos vocês, você inclusive, de todas as pessoas do Barbatuques e dessa época da AUÊ, que pegaram cada uma dessas experiências, desses procedimentos, desses jogos e foram aplicando e adaptando, verificando o que funciona ou não para cada idade ou para cada grupo. Parece que não existe tanto assim uma regra. Lembro de alguém chegar e dizer: “esse jogo não funciona para essa idade”, mas alguém chega, experimenta e funciona. Por que? Acredito que por uma série de questões; é o jeito, é a maneira, é a confiança, é o ambiente. Acho que, em minha trajetória, talvez por eu não ter sistematizado demais, como publicação ou como controle do que os outros faziam em relação ao que eu passei - foi uma opção - mas foi trazendo uma organização grande para mim, sistemática, eu tenho organizado todo o sistema que eu uso na minha cabeça. Mas não me deu vontade de ditar regras demais, isso pode ou não pode, parece que eu estou aprendendo cada vez mais, talvez eu possa sistematizar. Porque sempre vai ter uma exceção, sei lá, você vai fazer uma afirmação muito definitiva e depois ter outra experiência.” (BARBA in: FORTE, 2018, anexo i - p. 201)
alejandro simonovich
[...] no atarse a modelos, pero sin desdeñar modelos. Apertura es ampliar nuestra visión, pero con discernimiento entre aquello que es aceptable y aquello que es necesario descartar. Apertura es eliminar prejuicios, soberbias, dogmatismos y preconceptos, es aceptar otros modos de organizar la enseñanza. Pero no sólo en lo pedagógico. La real apertura es mental, es la aceptación, comprensión y aprovechamiento de la diversidad estética, filosófica, pedagógica, ideológica y musical. (SIMONOVICH, 2018, p.19)
glauber resende domingues
Por um lado, é preciso entender que estas [pedagogias abertas] dizem respeito a uma perspectiva filosófica sobre ensinar música. Nesse sentido, cabe refletirmos que não é possível uma pedagogia aberta no ensino da música sem uma filosofia de educação que gere ancoragem para que o ensino seja diferente daquele que tenta homogeneizar.
Assim, podemos afirmar que, para que haja mudança na ação de educar musicalmente, é necessária uma mudança de pensamento sobre a ação de ensinar música. Requer então um processo reflexivo que leva em conta as particularidades dos estudantes e, por outro lado, exige esforço político para que haja mudança da mente e da ação pedagógica. Apenas com a transformação da ideia de educação musical e de uma outra postura política é que será possível perceber uma materialidade que reflita uma mudança nas técnicas pedagógicas. As pedagogias musicais abertas requerem também mudança nas técnicas, nos modos de fazer educação musical. (DOMINGUES, 2021, p. 54-55)
DIDIER, A. R. Em busca da expressão criadora: circulação de ideias e o pensamento latino-americano na educação musical. 2020. 234 fl. Tese (Doutorado em Música) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.ceciliaconde.com.br/wp-content/uploads/2021/01/Tese-Adriana-Rodrigues-Didier.pdf
DOMINGUES, G. R. A criação musical na perspectiva das pedagogias musicais abertas. Orfeu, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 48-77, 2021. DOI: 10.5965/2525530406022021048. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/orfeu/article/view/20039
FORTE, R. A. A Música Corporal na Educação Musical Brasileira: contribuições e facilitações na visão de educadores musicais contemporâneos. 2018. 258 fl. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo, 2018. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/server/api/core/bitstreams/3fa774cc-1f5f-4e1d-9032-02f5a5576536/content
GAINZA, V. H. de. Educación musical siglo XXI: problemáticas contemporáneas. REVISTA DA ABEM, *[S. l.]*, v. 19, n. 25, 2011. Disponível em: https://revistaabem.abem.mus.br/revistaabem/article/view/186
hooks, b. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Trad: M. B. Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.
SANTOS, A. B. Somos da terra. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 12, 2018, p. 44 - 51. Disponível em: https://piseagrama.org/somos-da-terra/
SIMONOVICH, A. Apertura, identidad y musicalización: bases para uma educación musical latinoamericana. Buenos Aires: FLADEM, 2009.
atividade inicial:
no formulário ao lado, um convite à reflexão coletiva acerca do conceito de pedagogias abertas, partindo de sua experiência e das reflexões aqui compartilhadas.
a partilha pode ser através de comentários, perguntas, narrativas pessoais, entre outras.
você pode escolher se quer ou não compartilhar publicamente sua reflexão.