
processos criativos
o que significa ser uma pessoa criativa? a criatividade como errância, como a oportunidade de repetir de forma diferente. quanto mais limites, mais somos pessoas criativas? o que pode o jogo musical dentro do processo pedagógico? compartilho a voz de Teca de Brito, para abrir esse espaço:
Mais do que técnicas e modelos sonoro-musicais fechados, o jogo musical deve mergulhar nos processos de escuta, nas invenções, na repetição diferente, no contato com as muitas músicas da música, na reflexão acerca do sonoro e musical. Ao invés de valer-se de métodos fechados e repetitivos, é preciso mergulhar na experiência do fazer: escutando, criando, repetindo diferente, refletindo... sempre e sempre. Ampliando as “ideias de música”, como costumo dizer. (BRITO in: DIDIER, 2020, p.225)
talvez a principal pergunta seja: quais as habilidades preciso desenvolver para sentir segurança ao facilitar ambientes de aprendizagem coletiva? de atividades com maior grau de restrição a atividades mais abertas, um percurso possível para o aprendizado em prática.
os jogos são estruturas possíveis de adaptação, acordos que irão apoiar a escuta. experimente o jogo como espaço de construção de aprendizagens múltiplas. jogar com a dúvida para acolher todas as possíveis músicas e todos os possíveis aprendizados que a dinâmica pode oferecer.
tem um livro que me inspira muito, o Manual para maestros que lloran por las noches, de Taniel Morales - ganhei no México, em um encontro sobre a importância da avaliação em processos comunitários diversos. No capítulo sobre arte, encontro a seguinte frase, para refletir:
El Arte es un espacio creativo donde todo puede modificarse o cuestionarse si con ello ganamos libertad y vivencia. El fin de hacer Arte es la misma experiencia, y en eso se parece más al juego que al trabajo. Los objetos de Arte son solo un medio, no el fin. (MORALES, 2016, p. 15)
caderninhos de notas, diários de bordo, conversas pós jogo, trocas de percepções, ferramentas importantes e necessárias para trilhar esse percurso.
atividades por carta
o jogo como metodologia
a primeira vez que eu vislumbrei o jogo enquanto metodologia numa prática pedagógica, foi numa oficina do Fernando Barba, em 1999, no Coralusp. atravessada pela experiência de “jogar para aprender”, a primeira sensação foi me perceber realizando determinados sons a partir da experiência corporal e não do estímulo mental. era a partir do meu corpo, de como eu poderia organiza-lo no espaço para realizar os sons, que surgiam ritmos e melodias que antes não saberia fazer.
encantada fui procurar mais disso, como inserir isso em minhas práticas. e fui entendendo o jogo como uma estrutura muito potente, em primeiro lugar por convocar a presença, o fazer. é curioso que o jogo nos ensina muito mais do que suas próprias regras. a forma como jogamos diz muito sobre nós, e jogando podemos aprender novas maneiras de jogar.
assim como acontece com a escuta e com a voz-corpo, compartilho a dimensão política do jogo como metodologia, lembrando uma passagem que vivi em uma oficina com Carlos Kater. foi em 2018, quando ele me convidou a auxiliá-lo em uma formação para mais de 80 docentes da rede pública de São Bernardo do Campo (em SP).
com todas as pessoas em uma grande roda, o jogo realizado foi: nome, palma, pulo, que consistia em cada pessoa realizar uma dessas ações, na sequência da roda. foi interessante observar o que acontecia com o grupo quando alguém se enganava, e também a conduta do próprio Carlos.
em nenhum momento ele “corrigiu” a roda. foi observando até que o jogo se tornou impossível. então seu comentário não foi sobre o acerto ou erro, ou sobre aprender o jogo corretamente, mas sobre o que fazemos quando estamos em jogo. podemos apontar o erro, ou podemos seguir o jogo, seguir o fluxo sonoro, resolvendo pela ação e não pelas palavras, aquilo que julgamos ser um erro.
enquanto facilitadora de um jogo, sou jogadora. jogar junto é minha forma de intervenção. colocar-me em jogo é também um aprendizado, e muitas vezes é muito desafiador, pois o jogo pode tomar caminhos que desconhecemos. aprendi que é importante definir como o jogo deve começar e terminar, e muitas vezes também um tempo aproximado de duração, para garantir que possamos jogar mais vezes, com pausas para escutas e reflexões.
estar em jogo é uma atitude de errância, é saber observar e lidar com o inusitado, o imprevisível, com o que costumamos chamar de erro. também é estar em ação, no presente. jogar com o erro é também o ato criativo, o momento em que o jogo deixa de ser comandado pelas regras, para acontecer através das interações sonoras de quem joga.
nos processos que vivencio, escuto repetidas perguntas sobre como podemos compartilhar práticas criativas e decoloniais uma vez que não tivemos essa referência em nossa formação. como uma cartógrafa de referências, venho colecionando atividades, processos e metodologias que friccionam formas canônicas de aprendizagem musical. práticas que me transformam e se transformam ao longo do caminho. práticas que trazem o jogo como metodologia, como proposta aberta, modulável e mutante: o jogo que se transforma nas mãos, vozes, escutas de quem joga. considerando o olhar sobre a docência, sempre procurei compreender o processo didático, a forma de aplicar a atividade.
É pela pedagogia do afeto que entendemos a contribuição de Deleuze para esse campo. A produção de conhecimentos se dá a partir daquilo que desafia e faz pensar. Produção de conhecimento aqui é um saber de afeto, saber daquilo que nos afeta e constrange a pensar: um meio (objeto, material, corpo) e seus signos, meio feito de qualidades, substâncias, potências, acontecimentos, material-força. Aprender é decifrar esses signos - criar sentidos, ser afetado pela sua qualidade (diferença). Fora disso, têm-se ferramentas, informações, “saber de reserva”. (SANTOS, 2015)
a abordagem do processo formativo ao trazer o jogo como metodologia, busca constituir-se num ambiente seguro para a pesquisa em comunidade, onde se possa desenvolver atividades voltadas à formação docente; cartografar experiências e discussões temáticas emergentes; documentar processos vivenciados e compartilhar atividades e processos didáticos voltados para a prática docente criativa.
DIDIER, A. R. Em busca da expressão criadora: circulação de ideias e o pensamento latino-americano na educação musical. 2020. 234 fl. Tese (Doutorado em Música) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.ceciliaconde.com.br/wp-content/uploads/2021/01/Tese-Adriana-Rodrigues-Didier.pdf
MORALES, T. Manual para maestros que lloran por las noches - Secretaría de Educación de Guanajuato, 2016. disponível em: https://www.seg.guanajuato.gob.mx/Aconvivir/Documents/FomentoArte/Manual_Maestros_Lloran_Noches.pdf
SANTOS, R. M. O professor cartógrafo e o jogo na comunidade de aprendizagem. XXII Congresso Nacional da ABEM (anais). Natal, RN. 2015. disponível em: http://abemeducacaomusical.com.br/anais_congresso/v1/papers/1364/public/1364-4461-1-PB.pdf acesso em 10. abr. 2024