
escuta
Escutar é experimentar a diferença em nós e também em como produzimos nossas narrativas. (Valéria Bonafé e Lilian Campesato)
o lugar da escuta na educação musical: a importância de escutar-se para escutar a outras pessoas; a importância de uma escuta aberta e atenta, de descolonizar a própria escuta. o que desejamos escutar diz muito sobre as escolhas sonoras que realizamos. o quanto essas escolhas e escutas estão condicionadas a padrões normativos?
há muitos caminhos para escutar a própria escuta, caminhos criativos, em que as perguntas que nos fazemos são mais importantes que as respostas.
nas atividades de escuta, você vai encontrar propostas para ativar a escuta de si em relação ao espaço e às pessoas com quem compartilhamos esse espaço:
da imprevisibilidade do som: a paisagem sonora;
som e pertencimento;
como escutamos o espaço, e como nos percebemos sonoramente neste;
como escutamos a nós e às outras pessoas;
relação entre escuta e voz;
as diversas formas de interpretar sonoramente com a voz-corpo o que escutamos;
escutar a escuta.
atividades por carta
conversas sobre escutas
o lugar da escuta em ambientes de práticas pedagógicas musicais, lugar essencial para se constituir um ambiente anti-capacitista, capaz de acolher todas as vozes, todas as expressões sonoras para além da normatividade. uma escuta que se desloca na direção das outras pessoas, e que se escuta a partir da relação que com elas se estabelece. uma escuta que se lança à imprevisibilidade do som, na aventura de jogar abertamente com as sonoridades que chegam.
pensar a escuta a partir do conceito de lugar, é necessário para situá-la politicamente. o exercício de escutar a si, por vezes é silencioso e reflexivo. as provocações da fala de Marcos Santos na Live do Fladem Brasil 2020 apontam para o quanto a escuta “musical” está condicionada a normatizações de raça principalmente; são um convite a repensar profundamente como escutamos.
Marcos traz o conceito de culturas acústicas, do moçambicano Miguel Lopez. compartilho essa passagem:
Designamos por cultura acústica a cultura que tem no ouvido, e não na vista, seu órgão de recepção e percepção por excelência. Trata-se, no entender de Antonio Viñao Frago, de uma cultura não linear, mas esférica (1993, p.19). Numa cultura acústica, a mente opera de um outro modo, recorrendo (como artifício de memória) ao ritmo, à música e à dança, à repetição e à redundância, às frases feitas, às fórmulas, às sentenças, aos ditos e refrões, à retórica dos lugares-comuns técnica de análise e lembrança da realidade e às figuras poéticas especialmente a metáfora. Sua oralidade é uma oralidade flexível e situacional, imaginativa e poética, rítmica e corporal, que vem do interior, da voz, e penetra no interior do outro, através do ouvido, envolvendo-o na questão. Nessa cultura, os homens e mulheres sabem escutar e narrar, contar histórias e relatar. E isto com precisão, claridade e riqueza expressiva. De um modo cálido e vivo, como a própria voz. São mestres do relato, das pausas e das brincadeiras, da conversa e da escuta. Amam contar e ouvir histórias, tomar parte nelas. (LOPES, 1999, p.1)
recomendo a escuta de Marcos, e suas contribuições e convites à reflexão no vídeo extraído da Live Fladem Brasil 2020 (uma ação fundamental do fladem brasil durante o primeiro ano de pandemia).
não existe escuta neutra. sempre escutamos de um lugar, a partir de quem somos, com quem convivemos, e como aprendemos a escutar. descolonizar a escuta, nesse sentido, é compreender que escutar também é um ato político. se não temos controle sobre o som que nos chega, temos uma escuta controlada, condicionada por aprendizados, situada no tempo espaço que vivemos, que busca por sonoridades que lhe foram ensinadas como corretas, adequadas, entre outros tantos adjetivos normatizantes.
estar consciente disso é fundamental para escutar vozes historicamente silenciadas, vozes que gritam até a rouquidão por falta de escuta. vozes de pessoas negras, indígenas, periféricas, de mulheres, de pessoas trans, não binárias, as chamadas “vozes dissidentes”, termo igualmente terrível. são vozes, que ao serem escutadas, deixam ainda mais explícito o quanto existe uma normatização opressora.
o trabalho com a escuta, partindo da escuta de si, é quase um processo de “desaprendizagem”. tem a parte silenciosa de reflexão, e tem a parte sonora, onde pode-se experimentar outras formas de se escutar e de ressignificar a própria escuta, em relação.
Através do exercício da escuta de si torna-se possível experimentar outras maneiras de inscrever a própria subjetividade, seja nos processos de criação musical, seja na construção das narrativas que elaboramos sobre eles, desnaturalizando, assim, aquilo que se impõe como dimensão normativa. (CAMPESATO e BONAFÉ, 2019, p. 31).
reconhecendo-me como parte integrante de uma rede complexa de escutas diversas, a busca é por um estado de curiosidade sobre a escuta. que ela me leve a querer conhecer mais sobre as outras pessoas e a navegar com as diferenças.
… propomos um exercício de deslocamento, no qual a escuta é o ponto central. O deslocamento implica numa experiência de alteridade na qual cada uma de nós pode se confrontar com o estranho, isto é, com aquilo que não lhe é habitual ou familiar. É nesse contato que se pode compreender tanto o outro quanto a si próprio. E é nesse processo que se configura um ambiente de valorização das vozes singulares.
(CAMPESATO e BONAFÉ, 2017, p. 2).
sobre escuta ativa, algumas boas pistas encontram-se nesse texto extraído do livro: Manual para maestros que lloran por las noches, de Taniel Morales:
Escucha Activa
Aprender a escucharnos es un trabajo constante.
Acá unas recomendaciones:
1 Si algo no está claro de lo que se dice, pedir explicación cuando acabe la exposición.
2 No pensar en lo que uno va a decir cuando le toque la palabra mientras hablan las demás. Es importante escuchar a las otras.
3 Atender la parte emocional de los discursos, a veces los datos no representan el contenido del mensaje.
4 Como ejercicio de escucha y para mostrarnos lo complejo que es el entendimiento, se puede hacer el ejercicio de que quien tome la palabra resuma brevemente lo que el anterior acaba de decir.
5 No entrar en valoraciones o descalificaciones de los compañeros y de lo dicho. Tener un especial cuidado con el uso de adjetivos y el volumen de la voz.
6 Intentar siempre ser más breve que el anterior.
7 Estar atenta a lo que se dice y si alguien ya dijo lo que una pensaba decir, declinar la palabra. No repetir.
8 Además de pedir la palabra, también está permitido declinar una palabra que se había pedido, si otra participación ya enunció la misma idea o si el contexto de la discusión ya no es el adecuado.
9 Antes que convencer al otro, dejarse convencer.
10 Las discusiones no son competencia, no se ganan. Los argumentos no son para que una idea gane, sino para buscar puntos en común, construir posturas grupales.
(MORALES, 2016, p.102)
[port. tradução própria]
Escuta ativa
Aprender a nos escutar é um trabalho constante.
Aqui algumas recomendações:
1 Se algo do que se diz não está claro, pedir explicação quando acabar a exposição.
2 Não pensar no que vai dizer quando tiver a palavra enquanto falam as demais pessoas. É importante escutar às outras.
3 Atender à parte emocional dos discursos, às vezes os dados não representam o conteúdo da mensagem.
4 Como exercício de escuta e para nos mostrar o quão complexo é o entendimento, pode-se fazer o exercício de que quem tome a palavra resuma brevemente o que o anterior acaba de dizer.
5 Não entrar em avaliações ou desqualificações dos companheiros e do que foi dito. Ter um cuidado especial com o uso de adjetivos e com o volume da voz.
6 Tentar sempre ser mais breve do que o anterior.
7 Estar atenta ao que se diz e se alguém já disse o que outra pessoa pensava dizer, recusar a palavra. Não repetir.
8 Além de pedir a palavra, também está permitido recusar uma palavra que se perdera, se outra participação já enunciou a mesma ideia ou se o contexto da discussão já não é mais adequado.
9 Antes de convencer ao outro, deixar-se convencer.
10 As discussões não são competição, não se ganham. Os argumentos não são para que uma ideia ganhe, e sim para buscar pontos em comum, construir opiniões grupais.
CAMPESATO, L.; BONAFÉ, V. A conversa enquanto método para emergência da escuta de si. DEBATES - Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Música, UNIRIO, [S. l.], n. 22, 2019. Disponível em: https://seer.unirio.br/revistadebates/article/view/9651.
BONAFÉ, V. CAMPESATO, L. A escuta em deslocamento: uma conversa sobre criação musical. Proceedings of 13th Women’s Worlds & Fazendo Gênero 11. anais. Florianópolis, UFSC, v. 1. pp. 1-12, 2018. Disponível em: ARQUIVO_Bonafe_e_Campesato-A_escuta_em_deslocamento_final.pdf.
site Microfonias de Valéria Bonafé e Lílian Campesato
MORALES, T. Manual para maestros que lloran por las noches - Secretaría de Educación de Guanajuato, 2016. disponível em: https://www.seg.guanajuato.gob.mx/Aconvivir/Documents/FomentoArte/Manual_Maestros_Lloran_Noches.pdf
LOPES, J. S. M. , Cultura Acústica e Letramento em Moçambique : em busca de fundamentos para uma educação intercultural. Educ. Pesqui. 25 (1) • Jun 1999 • https://doi.org/10.1590/S1517-97021999000100006