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eutonia

Atualizado: 11 de out. de 2024

"[...] um método investigatório e de observação do corpo em que a pessoa é, simultaneamente, o sujeito e o objeto da própria experiência. Essa experimentação constante e observação rigorosa do próprio corpo aguçam a sensibilidade proprioceptiva, desenvolvem um estado de presença [...] autêntica de si e em relação às pessoas, às coisas e ao mundo. Esse desenvolvimento de uma presença autêntica de si pode resultar numa mudança de hábitos e comportamento, significativa para uma transformação da pessoa e de sua atitude em relação ao outro." (DASCAL, 2008, p. 51).

a partir dessa escrita de Miriam Dascal, artista do corpo e eutonista, compartilho a importância dessa experiência na constituição dos caminhos pedagógicos presentes em Voz e Criatividade. conheci a Miriam por volta de 2012-13, pesquisando processos corporais que dialogassem com minhas buscas voz-corpo.

iniciamos uma amizade e também um trabalho, profundo, duradouro e afetuoso, que perdura até os dias de hoje. é encantador o processo que a eutonia promove em relação à auto-observação e à percepção do próprio corpo. penso que as práticas sonoro-vocais que compartilho, para serem realmente autênticas enquanto experiência, pedem para que cada pessoa faça essa auto-imersão e se relacione com o saber corporal que reside em si. porque sim, o corpo é lugar de saber, um saber que vem da experiência, da vivência, de estarmos em movimento, em contato, em jogo, em vida.


a cultura ocidentalizada, colonialista, traz uma herança iluminista, verticalizada e hierarquizada em que a mente, a razão, mais que tudo, se sobrepõe ao corpo. como se fosse possível separar a mente do corpo. e isso, no cursar dos séculos, tem gerado inúmeros problemas para nós enquanto pessoas, seres viventes. posso citar inúmeros, que vão desde doenças até a aceitação do atual estado das coisas - terra queimada, hiper-industrialização, excesso de automação da vida, perda da organicidade.


dentro do pensamento artístico que marca o início do século XX nesse contexto eurocêntrico, muitos artistas ligados às artes performáticas, como teatro, dança e música, estavam questionando a dicotomia corpo-mente e os processos de aprendizagem e realização de sua artes. porque muitos estavam adoecendo. corporalmente. na música, vamos ver o reflexo dessa discussão com as metodologias ativas da primeira geração de educadores musicais, donde eu destaco o suíço Dalcroze. sua metodologia convoca o corpo a participar como protagonista do aprendizado musical, e seus processos até hoje influenciam ações e pensamentos de muitas pessoas que atuam na educação musical.


em diálogo com Dalcroze está Gerda Alexander, dançarina, criadora da eutonia. foi a partir de limitações de seu próprio corpo e de uma inquietação sobre os processos artísticos que moldavam corpos segundo suas estéticas, que Gerda passou a pesquisar caminhos para o trabalho corporal artístico e criativo que a levaram a desenvolver a eutonia enquanto prática corporal.


"o começo da eutonia se encontra unido, na realidade, a meu interesse no movimento, que remonta minha infância. sempre me obcecou a ideia de uma educação pelo movimento que não estivesse baseada na imitação [...] me maravilha pensar na riqueza de variações que seriam possíveis se cada qual se expressasse de uma maneira pessoal baseando-se nas leis do movimento, na gravidade e anti-gravidade e sua manifestação no espaço." (Gerda Alexander, apud Violeta de Gainza, 1985)

a busca por uma prática sonora-vocal que parta da imersão pessoal em processos de pesquisa é um caminho que persigo. toda a estrutura do trabalho que proponho, desde a escuta, os processos corporais investigativos, às propostas sonoras apresentadas, passa pelo desejo de ativar um estado interior, dentro de cada pessoa, que seja capaz de construir e trilhar suas próprias errâncias em diálogo aberto com as referências que nos cercam.


a referência não é a meta, o objetivo, o fim; a referência é a ferramenta, uma peça a mais no grande jogo de pesquisa aqui proposto. insisto: existem tantas técnicas quantas pessoas no mundo; tantos modos de fazer quanto seres viventes - gosto de encontrar com essa diversidade, aprender com ela, me afetar da mesma forma que afeto com minhas buscas. é muito lindo, muito mágico, quando o olho da pessoa brilha no encontro consigo mesma, com sua expressão sonoro-vocal, a partir de suas vivências, emoções, de sua corpo-oralidade.



referências:

DASCAL, M. Eutonia: o saber do corpo. São Paulo: Editora SENAC. 2008.

GAINZA, V. H. Conversas com Gerda Alexander: vida e pensamento da criadora da eutonia. São Paulo: Summus. 1997

ALEXANDER, G. Eutonia: um caminho para a percepção corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

 
 
 

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